Uma novidade legislativa vem, mais uma
vez, dividindo opiniões na sociedade. Trata-se do Estatuto do Nascituro,
um projeto de lei de 2007, de autoria dos deputados Luiz Bassuma
(PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG), que traz algumas medidas polêmicas.
A primeira delas é o que vem sendo
apelidado de “bolsa-estupro”: o projeto de lei prevê o pagamento de um
auxílio financeiro pelo Estado para a criança fruto de um estupro quando
não for possível identificar o pai. A proposta visa a convencer as
mulheres a não exercer a opção pelo aborto nesses casos, hipótese
permitida pela legislação.
O aborto, aliás, é o verdadeiro ponto
nevrálgico do projeto de lei. Em meio a toda a discussão sobre a
possibilidade de sua legalização ou ampliação das interrupções lícitas
da gravidez (que já tratamos em outro post – clique aqui),
o Estatuto do Nascituro pretende alterar o conceito jurídico de vida
para o momento da concepção (atualmente, parte-se da nidação do zigoto
na parede do útero, por isso que métodos contraceptivos como o DIU e a
“pílula do dia seguinte” são permitidos), sepultando o debate. Pela
proposta, o aborto culposo (causado sem intenção) também seria crime
(hoje não é) e o aborto doloso (intencional), em qualquer de suas
modalidades, passaria a ser tratado como crime hediondo e teria suas
penas elevadas.
Pela natureza do projeto de lei, é fácil
perceber que ele recebeu grande apoio das bancadas religiosas do
Congresso Nacional, as quais conseguiram fazer iniciar sua tramitação.
Ainda não há previsão de votação em plenário (o texto apenas foi
aprovado em comissões internas da Câmara) e ainda deverá passar pelo
mesmo procedimento no Senado.
Para não sermos repetitivos em relação à
discussão do aborto, o foco mais atual é a tal da “bolsa-estupro”. Soa
um pouco chocante o Estado pretender custear a criança até os dezoito
anos somente porque ela é resultado de um crime. Assusta ainda um pouco
mais a sensação de que isso é uma compra da dignidade da mulher. Por
fim, considerando a falta de caráter de algumas pessoas, abre-se até a
possibilidade de mulheres passarem a ser supostamente estupradas para
fazerem jus ao benefício.
Há, não obstante, outros artigos
contrários ao avanço científico na proposta, claramente ligados a
posições religiosas, como a criminalização de qualquer experimento com
embriões – o que vedaria as pesquisas sobre os usos de células-tronco
embrionárias para o tratamento de doenças graves.
Outra novidade, essa de natureza
patrimonial, seria a possibilidade do nascituro já ser detentor de
direitos hereditários, ou seja, passaria a ser herdeiro de seus pais
mesmo antes de nascido.
Em resumo, o Estatuto do Nascituro, a
nosso ver, traria mais retrocessos do que avanços. Trata-se de projeto
de lei de cunho eclesiástico, que pretende encerrar debates relevantes
para a sociedade. Em última análise, ele coloca o direito da pessoa
ainda não nascida em posição superior aos direitos da mulher que a
carrega no ventre. Esse conflito não é algo simples de ser solucionado e
oferecer dinheiro para mulheres que vivem, infelizmente, em condições
econômicas precárias no país parece-nos uma forma de varrer os
obstáculos para baixo do tapete.
Nenhum comentário:
Postar um comentário